quinta-feira, 8 de maio de 2014

Filme: Debaixo da Pele (2014)

Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, é uma projecção pouco corriqueira, uma que exige do espectador uma necessária predisposição para o abstracto. Scarlett Johansson é fascinante, mesmo quando o filme perde pujança.

Na Escócia há um ser alienígena (Scarlett Johansson) à solta, capturando homens transeuntes com o seu infalível poder de sedução. Monitorizado pelos seus pares, o ser alienígena executa o seu trabalho impavidamente até ao momento em que a sua emprestada feminilidade pode colocar a sua desapiedada actuação em dúvida.

Debaixo da Pele é como nada que se tenha visto recentemente no grande ecrã. Jonathan Glazer, reconhecido pelo seu vasto currículo em videoclipes e spots publicitários, aborda a história homónima de Michel Faber com um estilo marcadamente distinto, com um visual profusamente enigmático e encolhido em que o nosso mundo, através dos olhos de uma entidade alienígena, é pardacento e melancólico, distante da organização social que caracteriza o ser humano. Nesta aparente desorganização social, o predador alienígena protagonizado por Scarlett Johansson captura as suas presas com relativa facilidade, sem nada que na organização humana proteja ou se dê conta da falta de um dos seus membros. Este ser alienígena actua como um louva-a-deus fêmea, trazendo a morte ao seu parceiro sexual sem pingo de remorso ou hesitação. Silencioso e astuto na sua avaliação, o ser alienígena detecta fragilidades e reconhece os elos mais fracos.

Jonathan Glazer inverte a tendência das comuns narrativas e torna o seu enredo o menor expositivo possível. Os diálogos são parcos – os que tomam lugar são meramente de circunstância -, e a história, tal como num videoclipe, avança visualmente, ao som de música desconcertante e sugestiva de Mica Levi. O espectador é forçado a interpretar, a retirar sentido de cada cena, de cada acontecimento, sob o risco de perder o fio à meada e de nada compreender. Jonathan Glazer apoia-se fortemente na inteligência da sua audiência; a sua aposta funciona pela maior parte, mas a linha que Glazer caminha é magra e inclinada, a narrativa perdendo-se quando a sugestão visual perde virilidade e qualidade. Este momento acontece algures na segunda metade, altura em que o ser alienígena se parece apiedar e se acercar da condição humana da sua nova pele. Neste momento de piedade, o ser alienígena abjura-se da sua frialdade ao reconhecer um elemento da organização humana que se sente tão extraterrestre no mundo quanto ele, e começa a sentir, a preocupar-se e a amar. Infelizmente, Glazer não consegue dar o mesmo tratamento estético e sensorial a esta vertente mais delicada da narrativa.


Scarlett Johansson é perfeitamente sedutora e hipnotizante enquanto o ser alienígena que serve de veículo-mor para a narrativa de Debaixo da Pele. O papel é uma escolha valente por parte da actriz norte-americana. O filme vive da sua actuação, da sua capacidade para transmitir na rigidez obrigatória do rosto, no olhar calculista e indiferente do ser alienígena, uma história, uma introspecção e uma mudança. É fácil compreender a tentação de Jonathan Glazer para montar toda a película à volta de Johansson e é o que o realizador britânico efectivamente faz, colocando Johansson sempre em primeiro plano no rico panorama escocês. É uma obstinação que se lhe perdoa bem, embora o seu capricho custe na segunda metade do filme, onde o menor pendor visual retira suspense, mistério e atracção. Metaforizando a partir do próprio filme, a menor habilidade do ser alienígena para continuar a seduzir as suas presas espelha-se na menor habilidade de Debaixo da Pele para deslumbrar a sua audiência, disposição que ulteriormente coloca o filme num limbo entre o superno e o vulgar.          

CLASSIFICAÇÃO: 3,5 em 5 estrelas


Trailer:

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