quinta-feira, 12 de junho de 2014

Filme: Só os Amantes Sobrevivem (2014)

Jim Jarmusch escreve e realiza Só os Amantes Sobrevivem com inflexão filosófica e com pertinente comentário cultural em que o vampirismo é um adorno de requinte. Tom Hiddleston e Tilda Swinton, com uma química agradável, apresentam-se em grande plano.

Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) são dois vampiros, antigos amantes, que voltam a reencontra-se nos tempos actuais. Adam vive de forma recôndita em Detroit, produzindo música que, assim como ele, nunca chega a conhecer a luz do dia, enquanto Eve se dedica a explorar e a conhecer o mundo. Quando regressam um ao outro, Adam e Eve despoletarão no reverso sentimentos antigos e sentimentos novos.

O apelo de Só os Amantes Sobrevivem não é pronunciado e pouco permite discorrer, categoricamente, sobre o género desta história. Categorizar Só os Amantes Sobrevivem é um exercício em vão, porquanto o argumento de Jim Jarmusch, que também o concretiza, não se cinge a uma estrutura narrativa regular. A realização aparentemente metódica esconde uma realidade sobejamente mais interessante, em que a humanidade, zombificada aos olhos dos nossos vampiros, é alvo de crítica e de censura. Para Adam, que parece ter tido uma certa influência na produção de algumas das maiores figuras da história, de escritores a compositores, a humanidade revelou-se sucessivamente incapaz de se apropriar correctamente das melhores mentes e das melhores ideias, optando por soluções comparativamente mais fracas e sem potencial. Na desertificação de Detroit, outrora a cidade do motor, do fordismo e o pulmão da produção norte-americana, Adam vê senão com dissabor que a humanidade se encontre em fase de plena decadência e de algum obscurantismo, onde a única coisa que parece ressalvar-se sem sobremaneira é a música, por sinal a sua paixão-mor.  

Adam teme igualmente a influência que a decadência da humanidade, dos seus mal-amados zombies, está a ter na sua espécie. Quando Ava, irmã de Eve, surge inopinadamente de Los Angeles, antro de aliteracias, Adam reconhece toda a inconsequência e falsa despretensão que aflige a humanidade – e que até contaminou o seu outrora nutritivo sangue. No decurso da sua avidez, Ava destrói toda a música e todo o espólio musical de Adam, que perde a sua fé e se vê, enfim, derrotado pelos tempos. Eve parece mais disposta a aceitar a mudança e a empreendê-la quando necessário. A vampira, que tem a capacidade de saber a idade e a origem de tudo o que toca, sabe que tudo tem o seu tempo e o seu lugar no desenrolar dos acontecimentos. Até mesmo a sua espécie imortal. Para Eve, as contrariedades de Adam não são uma fatalidade, mas antes uma oportunidade para tomar um novo caminho, para voltar a influenciar a humanidade – quanto não seja para tornar o seu sangue novamente puro. Eve sabe que a herdança cultural a que Adam tanto se agarra não está completamente perdida; reside noutros cantos, cantos como Tânger, num simples bar de rua.


O mérito de Jim Jarmusch reside na forma como despe esta história de vampiros de todos e quaisquer corriqueirismos. Só os Amantes Sobrevivem é uma narrativa refinada, culturalmente ciente e rica. Embora Jim Jarmusch mantenha o espectador no escuro quanto ao propósito e ao destino da sua história, a sombra narrativa, bem à maneira do ambiente noctívago do vampirismo, não abomina nem aflige. É cativante. Tom Hiddleston e Tilda Swinton afincam-se às suas personagens com dedicação inabalável. Tom Hiddleston entrega ao seu Adam a compleição de um músico torturado, enquanto Tilda Swinton transforma lentamente Eve numa vampira fascinante e misteriosa. A caracterização dos dois amantes, com os penteados insurrectos, as roupas fora de época e os marcantes óculos escuros, é um ponto de relevo. A selecção musical a cargo da banda SQÜRL, do próprio Jim Jarmusch, combinada com a música original de Jozef van Wissem, cria a aura estética que definitivamente torna Só os Amantes Sobrevivem numa experiência imersiva. A visualização do filme requer o comprometimento total do espectador, particularmente na parte inicial em que o ritmo, que nunca é propriamente ágil, demora a arrancar. Todavia, se o espectador estiver disposto, poderá dar por si mordido e transformado pela experiência.                   

CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


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