sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Filme: Frank (2014)

Cómico, alucinado e musicalmente deslumbrante, Frank trás uma distinta introspecção às transformações e aos métodos de uma banda de música, uma liderada por uma hipnotizante personagem sublimemente interpretada por Michael Fassbender.  

Certo dia, enquanto caminha à procura de inspiração para uma música, Jon (Domhnall Gleeson) encontra-se com uma banda desconhecida que acaba de perder um dos seus elementos para o concerto dessa noite. Espontaneamente, Jon oferece-se para preencher a vaga. Frank (Michael Fassbender), o estranho líder da banda, aceita. Mais tarde, após se terem separado e ficado sem contacto, Frank convida Jon para integrar a banda no retiro onde gravarão o novo álbum e onde Jon terá uma das experiências mais estranhas da sua vida.

Maioritariamente inspirada na carreira musical de Chris Sievey e no seu alter-ego Frank Sidebottom, mas também em figuras como as de Daniel Johnston e de Captain Beefheart, a deliciosamente cómica, sinistra e surreal história de Frank transporta a audiência pelas contemplações de uma banda alternativa com a inflexão de uma experiência tão bizarra quanto a genialmente descoordenada música de Frank e da sua impronunciável banda Soronprfbs. Através dos olhos e das considerações de Jon, a audiência conhece a cada rasgo de demência a brilhante loucura de Frank, da sua vincada personalidade, dos seus estranhíssimos hábitos. Aprende que Frank, debaixo do seu fato de genialidade e da sua cabeçorra de plástico, vive perturbado, porventura preso à infância, embrenhado num modo e numa visão da vida e das coisas diferente. Tão diferente que gera sobre si um inescapável magnetismo que atrai o desejo, a necessidade de escapismo e de preferência de todos à sua volta. Recém-chegado e pouco integrado na banda, Jon sente este magnetismo como mais ninguém, rapidamente se tornando dependente da aprovação e do favoritismo, sensação que o espectador, compenetrado nos maneirismos e na originalidade musical de Frank, se permite partilhar.  

Jon, todavia, não consegue efectivar-se como um membro de facto. Embora confinado a um espaço reduzido e isolado durante meses em Vetno, na Irlanda, Jon não se desliga do mundo virtual, do mundo social onde procura crescer, afamar-se e acreditar-se. Não se torna no transeunte que começara por ser, que todos os membros da banda parecem ter começado por ser. Convencido da qualidade de Frank e do potencial dos Soronprfbs, Jon documenta cada passo do interregno criativo da banda. A crítica do realizador Lenny Abrahamson a uma audiência cada vez menos participativa e exageradamente focada na documentação virtual da sua vida e das suas experiências fica bem vincada. Em vez de se integrar verdadeiramente na banda e no seu estilo, Jon vive para as suas actualizações virtuais, para os tweets, para os hashtags e para as visualizações. A documentação de Jon do trabalho e do processo criativo dos Soronprfbs leva-o eventualmente a receber um convite para uma actuação no festival alternativo South by Southwest. Jon vibra, sem se aperceber que os Soronprfbs se calhar não existem para actuações em grandes espaços, mas para pequenos e escuros bares, quiçá de reputação duvidosa, onde a audiência se compõe (mal) por ouvintes ocasionais e acidentais. Sem se aperceber que a fragilidade a ligar os Soronprfbs é como os fios entrelaçados que compõem uma tela velha; tal como com o quadro que resulta nessa tela, a banda é para ver (e viver) sem se lhe tocar.   

Quem diria que Michael Fassbender tinha uma voz tão predisposta para a interpretação musical. A sua voz torna o realismo e a credibilidade de Frank mais robustos. Debaixo da cabeçorra de Frank, Michael Fassbender oferece uma interpretação hipnotizante, descontraída e divertida. A expressividade que coloca nos seus diálogos faz com que a cabeçorra que lhe cobre o rosto pareça, embora imutável, sempre diferente. Domhnall Gleeson continua a marcar pontos na sua carreira em ascensão com mais uma interpretação sólida, encontrando espaço para se destacar entre a performance excêntrica de Michael Fassbender e a actuação rigorosa de Maggie Gyllenhaal, que surge como o elemento mais desequilibrado, mais desestabilizador e mais autêntico da banda. Filmadas com som ao vivo, as fantásticas e tresloucadas actuações dos Soronprfbs provam a dedicação do elenco aos seus respectivos papéis e a conivência com a visão de Lenny Abrahamson para a invulgar narrativa. A qualidade de Frank resulta da entrega e da crença de cada um deles com o resultado final, mesmo que o fim, não o adequado desfecho, mas o receptáculo para ele, desbarate a alucinação conjunta. Mas até este corriqueirismo lhe fica bem, pois como Frank, o músico, coloca a dado instante em mais uma das suas inspiradas observações, caras normais também são estranhas. E Frank é afortunadamente estranho quando é normal e normal quando é estranho.   

 CLASSIFICAÇÃO: 4 em 5 estrelas


Trailer:

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